a casa austera
- Ana Penna
- 16 de mai. de 2022
- 1 min de leitura
Olhe ao redor. Estamos em casa. Quarenta e cinco metros quadrados de Amélia, desde a última contagem.

Não é nenhuma novidade que casa e corpo se misturam, às vezes. Talvez esteja aí a austeridade de estar sob o mesmo teto, todos os dias, por dois anos quase completos. Tudo que era corpo virou só sala, cozinha, banheiro, quarto. Um apanhado de objetos egomórficos, dando pistas do que o habita, suas principais manias, seus desejos mais recônditos.
Amélia parece dissolver em palavras, imagens e linhas tortas aquilo que é cotidiano, mínimo, triste, irônico. O complexo e impreciso torna-se plano e corpóreo na superfície de seus trabalhos, tal qual o pombo prensado no asfalto, descrito em uma de suas pinturas: tudo meio achatado, com o mesmo tamanho, uma fina camada.
Ao andar pela casa vemos o corpo deitado sobre a cama que receia (ou planeja) mais um dia lânguido. Os dias passando em suas páginas de agenda que confidenciam, em linguagem de dia de semana, o que se sente nesse tipo de confinamento interno e cíclico. Os papéis de parede que revelam obsessões, ou tentativas de contenção de um desmoronamento. No fim das contas, tudo é espelho. Um eu que se fragmenta e se dispersa em estilhaços, cada um deles com uma face dela.
Se nem mesmo ao olhar para fora, pela janela da sala, conseguimos ver algo que não seja Amélia, vamos nos conter em fazer apenas o caminho inverso. Olhar para dentro.
“- Está se sentindo cada vez mais ou menos em casa?”, foi a fala dela, num email trocado. Fiquemos com essa pergunta. E pode entrar, a casa é sua.


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