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eu não sou bela

  • Foto do escritor: Ana Penna
    Ana Penna
  • 28 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Sou Bia.


Sim, eu paguei por um domínio. Hoje o biapenna.com sou eu mesma.


Simples assim, e um pouco caro também. Quem me dera se na vida aqui fora alguém tivesse reservado o Bia pra mim. Não que eu não goste de dividir nome. Hoje, eu acho o máximo essa coisa que acontece da gente simpatizar, de cara, com gente que chama que nem a gente. Afinal, se a compreensão do nosso eu começa com nosso nome, possivelmente só nossos xarás sabem qual é a sensação de ouvir esse som e ser esse som, porque sempre que você escuta alguém pronunciando esses fonemas, nessa ordem, você responde. De forma involuntária até.


Se eu fosse só a Bia essa reflexão poderia parar por aqui.


Mas não. Eu sou Ana e Beatriz também.


Se algum dia vocês que estão lendo tiverem que dar um nome para alguém, repensem essa questão do nome composto. Meus pais, donos de um nome só, não tinham a menor ideia dos problemas que se seguiriam ao me batizarem de Ana Beatriz de apelido Bia.


É. Essa crise com meu nome não é de hoje.


Um grande trauma de meus primeiros dias de escola foi quando eu, ao me apresentar, não pude ser a Bia. Eu tinha cinco anos, e minha identidade já estava sendo colocada à prova.


Nunca tinha sido muito Ana nem Beatriz, muito menos os dois juntos. Bia foi como fui acostumada a ser chamada por aqueles que por mim sentiam algum afeto. E Bia foi exatamente o que eu não pude ser na escola. Penso que não poder ser a Bia foi um dos principais motivos de eu odiar ir pra lá. Eu tinha que ser outra pessoa, assumir outra persona.


A Bia, da escola, brigou comigo quando a professora chamou “Bia” e eu respondi. Ela gritou e disse que eu não era a Bia. Ela era. Eu deveria escolher outro nome, outra coisa para ser.

E sem o menor pudor, me batizaram de Bela naquela turma. Bela?


Como se eu já não tivesse nomes o suficiente.


Fui Bela, fui Ana, fui Aninha. Fui Ana Beatriz quando cheguei à primeira série, mas nunca Bia.

Parecia que ninguém estava interessado em quem eu era de verdade. Lembro de ouvir minha mãe dizer pra mim e pra minha irmã que procurou uma escola na qual fôssemos chamadas pelo nosso nome e não por um número, como acontecia nas escolas em que ela estudou. A verdade é que acho que eu preferiria ter sido número. Pelo menos todo mundo ia ser número também e eu não ia ter que me acostumar sozinha a ser algo diferente do que eu já era.


Perdi a conta da quantidade de vezes em que amigos ligaram pra minha casa me procurando e desligaram frustrados ao ouvir minha mãe dizer “Não tem nenhuma Ana aqui, deve ter sido engano!”. Ou então quando iam dormir na minha casa, nas nossas festas do pijama, e ficavam confusos ao ver minha irmã me chamando de Bia. Tenho que admitir que sentia um certo prazer em vê-los confusos. Minha irmã era obviamente quem melhor me conhecia, e se ela me chamava de Bia, quem eram eles para dizer o contrário? Eles começavam a imitá-la, e sem dizer uma palavra, eu me tornava a Bia que eu era e que eu queria ser.


Eu sempre fui uma criança mais calada, mais tímida. Hoje em compensação falo muito. Falo muito de mim. Mas não em ambientes que evoquem essa energia escolar. Parece que estou fadada a odiar para sempre a sala de aula. Pode ter a ver com esse lance do nome, não sei. Mas por uma ironia do destino, hoje faço licenciatura em Artes Visuais. Sendo professora talvez eu consiga superar essa questão, mesmo porque vou ser chamada de “professora”, né? Nem Bia, nem Ana, talvez tia? Difícil prever.


Na faculdade, passei a me apresentar como Bia. Foi um grande passo para mim poder ser quem eu sou. Impor como eu gostaria de ser chamada. Foi ali que entendi como identidade é algo caro. Fazer artes mexe muito com nosso ego, nossos traumas, nossas vaidades. Ser artista é mais difícil do que parece. E adivinhem? Existe uma artista chamada Bia Penna. Depois de todo o trabalho para conseguir ser a Bia, e já existe uma que faz exatamente o que faço.


Tento me convencer de que isso me ensinou alguma coisa, que a gente não precisa ser diferente o tempo todo, original o tempo todo. Vou acrescentar uma nota no meu calendário para voltar nesse parágrafo regularmente. Mas uma coisa eu garanto, hoje, o biapenna.com sou eu.


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