Pontes Metálicas
- Ana Penna
- 28 de set. de 2020
- 2 min de leitura
Há 10 anos conheci essa garota e carrego na pele, com muito apreço, o escrito com o qual ela me presenteou. Construído ponto a ponto, em minha coxa direita, sob a frieza precisa de sua agulha sobre minha epiderme, seus traços tortos revelam a frase que me incumbiu de disseminar pelo mundo: pontes metálicas.

Essas palavras são de um poema do Leonilson, uma metáfora para as relações. Pelo menos é assim que explico quando olhares curiosos me interpelam em busca de seu significado. Mas a verdade mesmo é que, a cada dia, entendo mais e menos o que quer dizer.
No plano original, esse excerto teria sido gravado em nós duas, reafirmando o elo delineado por nossa convivência diária naqueles dias. O novo aluguel tinha o nosso nome no contrato, e quase tudo que fazíamos tinha esse envolvimento mútuo, das idas ao mercado aos projetos artísticos futuros. E foi justamente num de seus projetos que ouvi pela primeira vez esse poema, que há muito me acompanha, hoje bem mais do que ela.
Para começar a falar em Löic preciso tornar atrás
um tempo e ver o quanto passamos naquele lugar quen
te e úmido onde ele construía seu iglú
Não tenho certeza se conheço os motivos que a levaram a gostar tanto de Leo e de Löic, mas foi ela minha ponte até eles. Passamos horas e dias debruçadas sobre suas palavras, para a cada nova leitura tecer uma nova tradução. Sua habilidade em traduzir em colagem coisas que não sabia como dizer me fez ler de formas bem diversas tudo o que tinha naqueles versos. Hoje, quando voltei a eles para escrever esse texto, vi muito mais dela do que já supus em vezes anteriores.
tínhamos palavras semelhantes para dizer e mais
uma vez estávamos sobre a mesma ponte ou sob ela
no mesmo rio , por isso não cumpri a missão de
fazer dele um bom manager .
Assim como Leo, eu também não cumpri minha parte da missão. Ela escreveu suas pontes em mim, mas eu não tive o talento e mestria para fazer o mesmo. Sempre tive medo de agulhas e estava bem longe dos meus planos submeter alguém a minha mão pesada e imprecisa. Fiquei com a frase sozinha. Era nossa piada interna, essa amizade de mão única, essa parceria inacabada. E por falar em falta de acabamento, somos especialistas em idealizar projetos enormes e não passar do primeiro passo. Acho que é a forma que a gente encontrou de não ter que fechar ciclos ou concluir iglus. Mas de qualquer forma, o mais intrigante veio meses depois de ter minhas feridas cicatrizadas. Ou melhor, meses antes.
Assim como Löic, ela também era especialista em iglus e pontes metálicas, e ofereceu a uma outra amiga essas inscrições, exatamente no mesmo lugar em que eu hoje carrego as minhas. Se ela me enganou? Eu não vi desse jeito. Acho que o que ela tem é uma grande vocação para construtora de pontes. E o que se sabe é que quem constrói pontes não tem como sustentá-las ao mesmo tempo. Não tem.
alguns podiam achar que era um moralista , mas
nem todos podiam entender que um cara podia gostar
apenas de fazer seus iglús e deixar que alguns
sonhadores tratem de comercializar isto ou aquilo que
ele deixou escapar.
Fragmentos retirados do texto PARA COMEÇAR A FALAR EM LÖIC, de José Leonilson.
Comentários