Que lugar ocupo no mundo?
- Ana Penna
- 29 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de jun. de 2021
Ouvi de um amigo: saiba quais são suas perguntas. Começo, portanto, com aquela que me trouxe até aqui: que lugar ocupo no mundo?
Gosto de perguntas, mas gosto mais de pensar sobre palavras. Existe uma diferença sutil e surpreendente entre dizer “espaço” ou dizer “lugar”. Diz-se que um lugar é um espaço que foi apropriado afetivamente. Sendo assim, quais são os espaços dos quais me apropriei com afeto?

Lembro de entrar na faculdade de artes e não entender nada de poética, de processo ou furor artístico. Ainda não sei muito sobre ser artista. Estou aprendendo a ocupar esse espaço. Aqui usei espaço, pois me dei conta de que ainda não sei onde encontrar afeto na arte se não for através da educação.
Não queria ficar sendo muito repetitiva, mas a verdade é que penso muito sobre espaço, sobre lugar, sobre habitar. E isso tem sido minha obsessão desde meu primeiro afeto na arte educação: o museu.
Enquanto mediadora saí frustrada de muitas visitas por não ter conseguido despertar no público alguma experiência. Seria a linguagem museológica o problema? Ou a falta de tempo? De atenção? A curadoria ruim? Os textos inacessíveis? Esse universo da arte faz realmente algum sentido? Para quem? Eu queria ter respostas práticas para todas elas e as busquei durante algum tempo. Ser uma estagiária 20h semanais me permitiu usar aquele espaço do museu também como um laboratório. Me apropriei dele, na medida do possível, e tentei encontrar os pontos de contato.
O museu em que trabalhei é um museu histórico, então o lance da arte contemporânea ainda não era um dos meus problemas, eu estava mais focada nas relações, nos vínculos, nas leituras. Nesse museu, comecei a prestar atenção em como as pessoas agiam durante a visitação. Muitas delas - muitas mesmo - vinham nos procurar (nós mediadores) não com dúvidas sobre o que viam, mas para nos contar as histórias que viveram ali. Apesar de toda sua importância em termos de acervo, de seu pioneirismo (foi o primeiro museu de Minas Gerais), o que fazia com que o público retornasse eram suas próprias memórias experienciadas ali dentro. Vale a pena explicar que esse museu é composto, além dos prédios históricos, por um parque extenso, bem no centro da cidade, e portanto, um dos poucos lugares de lazer gratuitos e acessíveis em Juiz de Fora.
O que eu quero dizer é que parecia, para mim, que não estávamos focados nas coisas certas para tentar resolver os problemas sentidos. Não eram oficinas megalomaníacas que tornavam o museu vivo (e na época planejamos muitas oficinas assim), mas era reconhecer que a importância dele estava justamente no protagonismo das histórias particulares, todas experienciadas no mesmo espaço, que agora já não era mais apenas um espaço, é um lugar. Só precisávamos ativar o canal da escuta para entender isso.
Assim, surgiu o documentário Vozes da Memória, filme que considero meu primeiro trabalho artístico relevante, apesar de bem modesto (aqui nesse link coloquei o trailer). Nele, ao lado de uma grande amiga (e também mediadora frustrada do Museu Mariano Procópio), tentamos resgatar a única coisa que parecia fazer sentido ali: as histórias contadas diariamente por pessoas tão comuns quanto a gente.
Depois disso, o projeto pedagógico da instituição foi me desgastando excessivamente. As discussões sobre as quais eu me debruçava, que buscavam entender o visitante como autônomo e capaz de criar suas próprias leituras, eram preocupações menores para o museu naquele momento. A necessidade de se manter como assunto nos principais veículos midiáticos da cidade e crescendo cada vez mais em números fez com que as ações educativas acabassem tendo um foco, muitas vezes, controverso. E de tanta frustração, parei de sonhar, parei de acreditar, parei de ouvir. Precisava de um projeto novo, que me oferecesse novas perguntas. E foi quando encontrei o Arte em Trânsito (aqui o link do site do projeto).
Já escrevi uma página inteira, mas para esse projeto eu precisaria de um livro. Inclusive até livro já sonhamos em escrever juntos.
Acho que vou começar pelas pessoas. Nunca antes havia convivido num ambiente de trabalho com tantas mentes ansiosas e comprometidas com a experiência artística. Foi uma injeção de entusiasmo e eu fiquei viciada. Completamente apaixonada por tudo que envolvia aquele projeto. Isso também acabou me cegando para outros problemas, que hoje reconheço como vitais.
Mas a questão maior do Arte em Trânsito para mim foi o cuidado amoroso com as conversas que pretendia-se colocar. Para começar, ele ocupa uma galeria que funciona dentro de uma escola. É um pequeno museu imerso no campo mais importante da educação, sendo diretamente e cotidianamente afetado por ele. Isso por si só já é potente. Mas para além dessa razão de ser do projeto, que independentemente de quem esteja envolvido vai delinear sua legitimidade, o encontro dessas oito cabeças nesse espaço-tempo criou um novo lugar para a arte educação em Juiz de Fora. Juntos produzimos um evento que ampliou ainda mais nosso universo de troca. Para nós foi como se fosse uma bienal. Assumimos papéis curatoriais dentro dos espaços expositivos mais relevantes da cidade, e fizemos um esforço descomunal para não perdermos a perspectiva pedagógica de vista. Foram exposições, rodas de conversa, colóquio, vernissages, oficinas, apresentações culturais, o pacote todo. Um sonho realizar algo desse tamanho para quem mal saiu da universidade. Esse mal sair da universidade foi mal visto para algumas coisas, mas também acho que o evento só se deu da forma como se deu pelo mesmo motivo.
Aprendi muito nesses dois anos de projeto, e ao lado daquelas pessoas, me permiti sonhar mais alto. A curadoria é hoje para mim um dos lugares que mais gosto de ocupar. Criamos juntos outras três exposições fora do projeto que se inseriram no circuito artístico da cidade. E assumi mais algumas outras curadorias menores também. Hoje esse tem sido meu maior objeto de estudo, meu maior interesse. Mas ainda não é o lugar onde estou 100% realizada. Entendi que preciso dos meus projetos dentro de escola, mesmo que curtos, mesmo que com poucos alunos.
E aí chegamos ao lugar em que espaço e afetividade me transformaram por completo. Fui bolsista do Pibid, e ao lado de outro grande amigo e arte educador, construímos uma oficina semanal onde a arte era o que ativava e materializava cada troca degustada. Sobre esse projeto, eu tento escrever, mas não sei se consigo colocar tudo em palavras, talvez precise de mais tempo, ou mais texto.
Comments